Bella analisava seu reflexo no espelho. Seus olhos brilhavam como esmeraldas e seu cabelo ruivo continha ondulações nas pontas. Vestia um longo vestido preto adornado por um cinto dourado.
Aquele dia era especial: a primeira vez em que os jovens iniciavam evangelização em uma comunidade Paulista.
- Está pronta? – Cris, seu irmão mais velho parou no batente da porta.
- Sim. – Sorriu educadamente e pegou sua bolsa.
Minutos depois se juntaram aos outros jovens. Após os cumprimentos, Isabella ficou ao lado dos seu melhores amigos: Malu e Ryan.
Começaram a subir a rua debaixo de sol forte. O acesso não era muito fácil, pois possuía muitos buracos. A movimentação intensa chamava a atenção; motoqueiros subindo e descendo em alta velocidade e pessoas nas calçadas dançando.
As meninas tinham dificuldades pois a ponta de seus saltos agarravam constantemente nos buracos, fazendo com que perdessem o equilíbrio.
Os moradores olhavam para aquele grupo com um ponto de interrogação em seus rostos. Afinal, trajavam roupas alinhadas e tinham um aspecto diferente.
Isabella encarou mais a frente um rapaz sentado na calçada enrolando um cigarro. Caminhou vagarosamente em sua direção.
- Bom dia! – Disse gentil, no entanto não obteve reciprocidade. Recebeu em troca um olhar duro. Ele vestia roupas de marca. Não parecia pertencer àquele lugar. – Você tem família?
- Me deixa em paz garota!!! – O tom dele foi rude.
Ela queria ajudá-lo.
Mas sua frieza acanhou a jovem que tinha boas intenções.
- Tudo bem... – Levantou as mãos em sinal de rendição. – Mas saiba que isso só irá te afundar cada vez mais.
O jovem contendo os olhos carregados de vermelhidão a encarou.
- O que têm de mais? Só vou dar um teco. – Rebateu.
Bella umedeceu os lábios e meneou a cabeça levemente.
- Esse “ teco” de hoje destrói o teu sonho de amanhã. – Fez menção, ao seguir caminho.
- Que sonho? – Enxerga em seus olhos tristeza. – E como você poderia me ajudar?
Com delicadeza, ela se vira e senta ao lado do rapaz.
- A palavra de Deus cura e liberta.
- Que Deus é esse? – Dá de ombros. – Se ele não cura nem as crianças que morrem de câncer e não as livra do sofrimento, por que faria algo por mim? – Indagou.
- Estou falando de cura espiritual. Quem somos nós para entender ou questionar os desígnios de Deus? – Respirou fundo. - Se você quer continuar nas drogas o problema é seu, mas se quiser se libertar encontrará forças na fé. Entregue tua vida ao Senhor e Ele tudo fará!
Roger pega de seu bolso um pacotinho cheio de pó. Abana no ar para a jovem ver.
- Minha vida é um fracasso!!! – Balança a cabeça. – Não conseguiria viver sem isso.
- Deus reescreve histórias. – Retira de sua bolsa um panfleto. – Aqui tem o endereço de nossa igreja, se um dia se sentir confortável para se achegar não se acanhe: estaremos lá para o ajudar.
Se despede do rapaz e continua a subir o morro.
Pelo caminho encontra algumas pessoas. Algumas abertas para suas palavras, e outras fechadas olhando para ela com tédio.
Uma senhora simpática lhe ofereceu água, e Bella aceitou de bom grado.
- Obrigada! – Entregou o copo.
- Tome cuidado menina. – Aconselha. – Não é bom andar por aqui sozinha.
Bella era tão distraída que nem notou que tinha se perdido do restante dos jovens.
- Pode deixar. Foi um prazer dona Joana. – Educadamente se afastou.
Pelo horário constatou que todos deveriam estar esperando por ela. Começou a fazer o caminho de volta.
Ao chegar no meio do morro, avistou um rapaz alto e bem forte com uma metralhadora em mãos.
Cautelosamente, tentou passar por ele com a cabeça baixa. No entanto, ele se colocou a sua frente impedindo que prosseguisse.
- Que filé!! – Mordeu os lábios analisando a ruivinha.
Ela o encara, tentando esconder seu desagrado com o olhar nada contido dele em sua direção.
- Licença, por favor! – Pediu suavemente.
Ele segurou o rosto dela, causando tremor no seu corpo. – E se eu não quiser? – Ergueu uma sobrancelha.
- Me solta!! – Pediu encolhendo os ombros.
- O que tu faz aqui no meu morro dama? – Pergunta.
- Evangelizando. – Observa os olhos azuis do rapaz, que pareciam um profundo e enigmático oceano.
- Se liga na fita mina, melhor tu pegar o beco.- Se afasta dela. Pensou que era mais uma patricinha em busca de aventuras na comunidade. Se frustrou ao entender que não.
Bella torceu os lábios e esboçou uma expressão confusa.
- Pegar o quê?
- Te acompanho até a saída. – Bufou revirando os olhos. – Sou Allan Stuart, dono disso aqui; e você?
- Isabella Lira. – Cruzou os braços e desceu ao lado do manda chuva da comunidade.
Os moradores cochichavam, ao verem Allan acompanhando a jovem riquinha.
- Não sente pena dessas pessoas ? – A jovem ousada perguntou, apontando para alguns drogados em situação deplorável.
- Deveria ter? Eu só luto pra ter uma vida melhor, tá ligada?
- Não sou tomada para ser ligada. - Revirou os olhos. - Uma vida melhor ao custo da vida dos outros? - Perguntou mesmo sabendo que estava ao lado de um traficante, o "tal" dono do morro e que naquele momento estava carregando uma metralhadora.
Só poderia ser uma louca desvairada. Mas não conseguia se conter.
- Qual é a tua garota? – Disse irritado - Essa é minha vida, minha realidade. É assim que ganho a vida.
- O que vocês fazem: é desumano. – Dispara e apressa o passo, no entanto, ele a alcança.
- Olha aqui... - Segura seu braço – Como ousa...
- Não aguenta ouvir verdades ou acha lindo ajudar a alimentar o vicio dessas pessoas? – O afronta. - Não pensa em suas famílias e no sofrimento delas? Matam muitas vezes por causa de um mísero real! Isso é desumano sim.
Ele aperta o braço dela, olhando-a furioso. Sua vontade era socar aquele rostinho lindo, porém petulante.
- Tá ligada que não me custa nada apontar isso aqui na tua cabeça e apertar o gatilho? – Sacode a garota. - Vaza daqui antes que eu te pipoque toda.
“ Eu não sou pipoca.” – Pensou enquanto corria desajeitada.
Se sentiu aliviada ao ver rostos conhecidos.
Era apaziguador retornar para casa.
Ela precisava relaxar. Havia passado por fortes emoções. Não era todo dia que afrontava um criminoso armado. Entrou na banheira repleta de sais. Enquanto soprava as espumas, seu pensamento vagou para “ o dono do morro”. Em como estupidamente o desafiou. Mas o que realmente incomodava a jovem: era não conseguir tirar os olhos dele de sua mente.
Nunca tinha trocado olhares farpados de modo tão intenso como naquele dia.
A semana se iniciava. E como a maior parte dela, Bella chegava na cozinha extremamente desanimada.- Bom dia! – O irmão a encara sorridente.“ Como alguém podia sorrir tão cedo?” – Se perguntava.- Bom dia. - O mau humor dela era visível.Pegou a tigela e seu cereal favorito.- Nada simpática você. – Brinca acostumado com o jeito estranho da irmã pela manhã.- Acordo cedo ou sou simpática, porque os dois na mesma frase: não rola. – Derrama o leite no copo e depois o cereal.- Calma Isabella, falta pouco... É o último ano. – Sabia que a secura dela era acarretada pelos infortúnios que sofria na escola. O que tirava o brilho da caçula.- Será que um dia vou deixar de parecer uma extraterrestre? - Todos olhavam para ela como se fosse diferente dos demais; apenas uma menina esquisita com valores esquecidos na sociedad
Na favela existe uma frase que diz: “ Pra viver aqui tem que ser lobo, porque aquele que te abraça é o mesmo que te apunhala.”Allan não teve uma infância como as outras crianças: seus brinquedos eram armas. Assumiu o comando do morro aos dezessete anos, após o pai ser baleado em uma invasão e falecer.Sua vida se resumia a perigo: um dia após o outro, curtindo a vida da melhor forma possível.Depois de deixar a filha do pastor em casa, retornou para o morro. Tomou um longo banho e depois vestiu a calça jeans recém comprada e uma regata preta. Não economizou no perfume importado. Finalizou o visual com seus acessórios de ouro.Desce as escadas e vê a mãe sentada no sofá, assistindo novela; sorrateiramente se aproxima, assustando-a.- Onde vai assim tão arrumado? - Franze a testa.
O som estava mais alto do que o normal. A comunidade extremamente movimentada naquele dia. Malu e Bella conversavam com as pessoas que permitiam que elas se aproximassem. Alguns meninos só demonstravam interesse para tentar seduzir as jovens. Não disfarçavam os olhares sem pudor. Isabella observa Roger; o rapaz que parecia ter uma boa condição. Ele estava com o semblante abatido, sem falar nos olhos arroxeados. - Eu já volto. – Deixou Malu conversando com uma senhora e se aproximou do rapaz. - Roger ? – Se assenta ao lado dele. - Em carne e osso. – Dá de ombros. - Tentei falar com você essa semana. – Diz cautelosa.- Eu sei... - Coça os olhos - Não me leve a mal, essa é a vida que eu tenho escolhido todos os dias e não me vejo preparado pra largar, eu não consigo. - Parece ser sincero.- Eu entendo. - Coloca a mão em seu ombro - Mas isso não o impede de aceitar meu convite de ir ao
A luz do sol adentrava: iluminando o quarto. Bella levantou preguiçosamente e iniciou sua higiene matinal. O céu estava límpido. Fazia uma bela manhã de domingo. - Bom dia. – Entrou na cozinha. - Diego ligou, a evangelização começa mais cedo e termina quase umas cinco horas. - Cris avisa assim que vê sua irmã apontar. - Ok. – Encolheu os ombros desanimada.- Aconteceu alguma coisa? – O pai perguntou analisando-a. - Não, só estou com sono ainda. – Omitiu. Sentou-se na mesa, puxando a caixa de cereal. - Por um segundo pensei que você tivesse encontrado... – Não completa a frase. O pai se referia ao criminoso. - Não encontrei ninguém. – Pôs uma colher cheia da refeição na boca. - Querida, come devagar. – A mãe repreendeu. O resto da manhã passou em silêncio. Cada um em seus afazeres. Bella se arrumava para mais um dia de evangeli
A razão e o coração da jovem diziam coisas distintas. Encontrava-se em uma batalha interna. Recebia o beijo cheio de intensidade e paixão. Mesmo não sendo experiente permitiu-se saborear aquele momento. Rodeou o pescoço de Allan com os braços, e sentiu apertar de modo possessivo sua cintura. O rapaz apressadinho escorregou a mão propositalmente. Tal ato fez Bella reagir de maneira impulsiva: empurrou-o bruscamente. - Isso não podia acontecer... - Um nó se formava em sua garganta. - Foi um erro desastroso. Aquele fora seu primeiro beijo. Apesar de ter gostado, seus princípios cristãos a fazia se sentir errada.- Está me dizendo que meu beijo é um desastre? – A fita desacreditado."Não... É maravilhoso!” – Ela pensou, no entanto emitiu o contrário. – Sim. – Deu de ombros. – Esqueça... faça de conta que esse beijo nunca aconteceu. – Suas palavras saíam com firmeza. - Ok. Já tive beijos melhores. – N
O clima agradável; o sol morno aquecia de leve. Daquela forma uma nova semana iniciava-se. Bella e Cris faziam o trajeto de rotina. - Vamos no cinema hoje? – A ruiva com os cabelos estonteantes o encara. – Por favor!!!- Não resisto a seus pedidos malinha. – Balançou a cabeça positivamente. Ela beija a bochecha do irmão e retira-se do veículo. Se encaminha para a sala. O grupinho de sua algoz já se encontrava no local. A jovem assenta-se e fica rabiscando algo sem importância na mesa. - Santinha!! - A voz enjoada de Paty soou. Bella não faz questão de se virar. Ignorou a menina evitando discussão naquele momento. O professor de artes entrou na sala. Passou uma atividade com tema livre. A jovem encarou a folha ofício sem saber por onde começar. Allan não deixava de habitar seus pensamentos. Desde que o conheceu, algo dentro d
" O amor NÃO escolhe hora ou lugar. Não escolhe cor, profissão ou religião. Ele escolhe corações.”Bella tirava o pouco juízo que o marginal possuía. Os lábios aveludados dela não saíam de seus pensamentos.Minutos antes de estar no bairro de alto escalão, se encontrava na comunidade.- Tá ligado mano? - Repolho abanou as mãos.- Em que? - O olhava entediado.- No bagulho pô, o Ratazana não tá pagando. – Explicava ao amigo que parecia estar no mundo das nuvens.- Tá de brincadeira né mano? Tô me lixando pra esse mané. - Deu um gole na cerveja.- Se liga chefe, ele tá de fuleram com a gente. - Repolho insiste.- Dá um tempo pra ele, se nã
O trânsito na segunda-feira de outono estava caótico. Tal demora no trajeto fez com que Bella chegasse ao colégio um tanto quanto atrasada.A jovem caminhou em direção a sala, emitiu leves batidas na porta: que logo foi aberta.- Licença. – Emitiu um sorriso simpático em direção ao professor de artes.- Entra Isabella. - Abriu espaço.Durante a aula, o professor elogia o trabalho dos alunos. Destaca o desenho de Bella que pareceu tão realista, como se tivesse feito olhos reais pela intensidade concentrada nas linhas.No intervalo passou um tempo conhecendo mais Luana. Percebeu que a jovem não era tão tímida quanto aparentava.- A santinha fez amiga. - Paty fica na frente de Bella com a mão pousada na cintura.- O que quer? – A ruiva pergunta exasperada